Não deixa de ser interessante o exercício de confrontar diferentes visões sobre um mesmo acontecimento. Em 1994, escrevemos um artigo no "O Anunciador das Feiras Novas" (ano XI), intitulado "As Feiras Novas no princípio do século" [leia-se séc. XX], no qual traçavamos uma imagem dos festejos assente, em grande medida, nas notícas publicadas na imprensa local. No ano que nos serve de referência, 1908, a imprensa notou o entusiasmo com os preparativos, a chegada de forasteiros e o empenho mobilizador da comissão encarregue da organização da festa, que apelava aos habitantes da vila para "endandeirarem suas casas" (Cf. Eco do Lima, 17.09.1908). Para o leitor fica a sensação de uma preparação dos actos festivos bem sucedida, o que na época, por vezes, se tornava difícil. A leitura do excerto da notícia de "O Commercio do Lima", de 26 de Setembro de 1908, publicado no excelente trabalho de recolha documental e fotografia de Amândio de Sousa Vieira, Feiras Novas 1826-2006, adensa a sensação dos festejos terem correspondido às expectativas criadas. Dizia-se que "o programa foi cumprido fielmente, apenas com a falta, cujo motivo se ignora, do grupo de bailarinas espanholas" (Cf. Feiras Novas 1826-2006, pág. 41). Porém, descentralizando o nosso olhar e consultando a imprensa de outras povoações, percebemos que a leitura é completamente diferente. Denotando outras formas de ver, talvez marcadas por rivalidades locais, o jornal O Independente, considerava que as "festas das Dores" tinham sido "desanimadissimas". Para o articulista, "aproveitavel de todo o programa, só achamos as illuminações e o fogo, de resto um pepineira. As touradas foram o que se chama um verdadeiro fiasco, que certamente não deixaria de envergonhar a commissão". Facto que não estranha, uma vez que "é sempre assim, quando se fazem touradas em Ponte de Lima é só com gado manso". A conclusão, dura, contrasta claramente com a impressão que nos criava a imprensa limiana: "As festas n'aquella villa desmerecendo cada vez mais, não estarão longe de terminarem de uma vez para sempre, o que é mais razoavel do que andar a enganar o forasteiro com espaventosos reclames".
Se é certo que, quanto ao fim da festa, a história foi mostrando que o articulista estava enganado, não deixa de ser relevante notar que a construção do conhecimento histórico implica a crítica e o cruzamento das fontes, portadores de leituras mais ricas, capazes de dar nota da complexidade da realidade. Aquilo a que vamos chamando "limianismo" não se deve transformar num olhar centrado no umbigo; ganhamos todos quando somos capazes de o assumir como uma forma de ler a realidade local imbricada numa teia social e cultural complexa. Há, portanto, um longo trabalho a realizar na historiografia local que ultrapasse as leituras assentes na cronologia, no simples somatório de factos e na concentração nas "grandes individualidades". Comungo, portanto, uma das observações de Carlos Gomes a um dos meus posts (ver post de 25.08.06): é bom ver a entrada de novas abordagens na história local limiana.
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