segunda-feira, dezembro 31, 2007

A pensar em 2008

Nos próximos dias encimará a coluna lateral deste blogue um excerto do poema "Eu podia escolher", de Toon Tellegen, poeta holandês, nascido em 1941. O tema da paz é, nesta época, recorrente... podemos mesmo afirmar que enfastia. Não lhe negamos urgência - seria cegueira imperdoável! -, mas vêmo-lo tão esquecido no quotidiano dos restantes dias do ano, que se torna verborreia. Também esta afirmação não é novidade! Quantos a fizeram e se deixaram levar pela mesma corrente? O que me atrai na frase de Tellegen é o encontro com a paz na ausência de qualquer ideia. E o facto de a paz ter sido uma escolha. Esta ausência de ideia remete-nos para um silêncio ensurdecedor: a redução da palavra paz à escrita dos postais de Natal e dos votos de Ano Novo. Quiçá guardemos, também, a palavra exclusivamente para tema de poema. Não há noticiário que abra com palavras de paz; primeira página que não venha ensanguentada; letras gordas que anunciem outra coisa senão a ameaça. Nos dias de hoje, falar de paz é algo estranho: os políticos, cada vez mais alheados do mundo, falam da paz como ausência da guerra (a mesma que acabaram de promover); os políticos, centrados no umbigo do poder, desconfiam daqueles que falam de injustiça social, acontece que não há paz sem justiça; os políticos, protegidos pelos vidros esfumados, passeiam ao lado desse inquietante mundo da pobreza (quem dá voz aos milhares de pobres portugueses que recentes dados estatísticos, que foram apenas tema de conversa por um dia, evidenciaram?). A paz não se constrói com meras e efémeras campanhas de caridade, diria caridadezinha. A muitos (diria a todos) homens não lhes interessa a esmola; mas a restituição da dignidade. A Paz. Os políticos e os detentores da riqueza não são um problema; mas não têm, muitas vezes, sido os portadores de soluções. Escrevia Voltaire: "(...) que as pequenas diferenças entre as roupas que cobrem o nosso corpo débil, entre todas as nossas línguas insuficientes, entre todos os nossos hábitos ridículos, entre todas as nossas leis imperfeitas (...) que todas essas pequenas diferenças que distinguem os átomos chamados homens não sejam sinais de ódio nem de perseguição...". Ouçamos Tellegen: "A verdade e a beleza/deixei-as ir". A capacidade de duvidar, de aceitar que a palavra verdade é plural (sem cair no estupor do relativismo), de abandonar velhas arquitecturas e entregarmo-nos ao pensamento, conduzirão a Humanidade a outro caminho. Contudo, para que esse justo propósito se concretize, é preciso escolher a paz.

(...)
Paz, era paz.
E nos recônditos da minha alma
dançavam seres
de que nunca tinha sequer ouvido!
E no céu pendia um outro sol.
(Toon Tellegen)


Por estes dias, chegou a nossas mãos o mais recente livro de José Ernesto Costa. Fala-nos de uma árvore - Ginkgo biloba -, a árvore da amizade. O autor limiano contabilizou 56 exemplares desta árvore em Ponte de Lima. Promover a paz também se faz pela partilha do símbolo. Plantem-se mais árvores e divulgue-se o seu simbolismo... é uma migalha necessária à educação para a paz.

segunda-feira, dezembro 24, 2007

Presépio, poema de Pedro Homem de Mello

Duas tábuas...
E era um berço!

Tudo escuro...
E alumiava!

Estaria Deus lá dentro?
Fomos a ver...

E lá estava!

Pedro Homem de Mello - Pedro, Cabanas: edição de autor, 1975.

domingo, dezembro 23, 2007

Natal, e não Dezembro_poema de David Mourão-Ferreira

Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido...
entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoda.

David Mourão-Ferreira - Cancioneiro de Natal. Lisboa: Edições Rolim, 1986.


[ilustração: jcml]

sexta-feira, dezembro 21, 2007

Um rosto de Natal, poema de Ruy Belo


Caiu sobre o país uma cortina de silêncio
a voz distingue o homem mas há homens que
não querem que os demais se elevem sobre os animais
e o que aos outros falta têm eles a mais
no dia de natal eu caminhava
e vi que em certo rosto havia a paz que não havia
era na multidão o rosto da justiça
um rosto que chegava até junto de mim de nicarágua
um rosto que me vinha de qualquer das indochinas
num mundo onde o homem é um lobo para o homem
e o brilho dos olhos o embacia a água
Caminhava no dia de natal
e entre muitos ombros eu pensava em quanto homem morreu por um deus que nasceu
A minha oração fora a leitura do jornal
e por ele soubera que o deus que cria
consentia em seu dia o terramoto de manágua
e que sobre os escombros inda havia
as ornamentações da quadra de natal
Olhava aquele rosto e nesse rosto via
a gente do dinheiro que fugia em aviões fretados
e os pés gretados de homens humilhados
de pé sobre os seus pés se ainda tinham pés
ao longo de desertos descampados
Morrera nesse rosto toda uma cidade
talvez pra que às mulheres de ministros e banqueiros
se permita exercitar melhor a caridade
A aparente paz que nesse rosto havia
como que prometia a paz da indochina a paz na alma
Eu caminhava e como que dizia
àquele homem de guerra oculta pela calma:
se cais pela justiça alguém pela justiça
há-se erguer-se no sítio exacto onde caíste
e há-de levar mais longe o incontido lume
visível nesse teu olhar molhado e triste
Não temas nem sequer o não poder falar
porque fala por ti o teu olhar
Olhei mais uma vez aquele rosto era natal
é certo que o silêncio entristecia
mas não fazia mal pensei pois me bastara olhar
tal rosto para ver que alguém nascia


Ruy Belo - Todos os Poemas II. Lisboa: Assírio Alvim, 2004, pág. 1776 e 177 .

segunda-feira, dezembro 17, 2007

Arquitectura medieval em Ponte de Lima_o portal principal da Capela do Espírito Santo



Descreve Lourenço Alves: "a fachada apresenta um pórtico muito simples formado por duas séries de colunas coroadas de capitéis singelamente decorados com motivos diversos. O primeiro da direita exibe duas cabeças humanas, frustemente talhadas, envolvidas por uma serpente; os seguintes apresentam folhas de louro estilizadas e entrelaços" (Arquitectura Religiosa do Alto Minho. Igrejas e Capelas Românicas da Ribeira Lima. Viana do Castelo, 1987, pág. 164). Para Jorge Rodrigues o capitel da direita do portal principal da Capela do Espírito Santo (Moreira do Lima, Ponte de Lima) representa o Pecado Original (Paulo Pereira (dir.) - História da Arte Portuguesa. s/l: Círculo de Leitores, 2007, vol. 2, 54).

[fotos: jcml; Alçado: levantamento de 1979, adaptado.]

sexta-feira, dezembro 14, 2007

Religião popular em Ponte de Lima

"A religião dos portugueses não é só uma compensação imaginária de uma frustração, como alguns pretendem. Temos também uma imaginária compensação da falta de religião" (Bento Domingues).

faces da revista