sexta-feira, julho 13, 2007

Do ready-made de Duchamp ao jardim “O homem que plantava árvores”

Na visita que realizamos ao 3º Festival Internacional de Jardins, a observação do trabalho intitulado “O homem que plantava árvores”, dos arquitectos Ana Rita Morais e Paulo Tavares Pereira, permitiu-nos realizar um percurso visual que, situando-se além da leitura – fundada na literatura – a que somos remetidos pelos autores (veja-se o catálogo), parece-nos evidente e marcante.
O objecto central desse percurso é um poste de madeira cravado de garrafas de plástico, idênticas àquelas que se encontram no solo transformadas em “vasos” para novas plantas. Se no piso temos as garrafas de plástico a acondicionar as novas árvores, no poste temos uma “árvore” construída a partir daquele material reciclável. Esta construção remete-nos visualmente para o trabalho de Joana Vasconcelos (nasc. 1971), “Néctar” (2006), exposto na entrada do recém inaugurado Museu Berardo (http://www.berardocollection.com/), no Centro Cultural de Belém. Trata-se, segundo as palavras da artista, da versão feminista do conhecido «ready-made» de Marcel Duchamp, “O Escorredor” ou “Secador de Garrafas”.
Marcel Duchamp, em 1914, adquirira numa loja de Paris, um escorredor de ferro galvanizado para garrafas, produto industrial, que expôs como escultura, atribuindo a este objecto (e a outros similares) a designação de “ready-made”. Conceptualmente, o escorredor de garrafas só passou a ser um “ready-made” a partir de 1916. O mesmo fizera com uma roda de bicicleta, com uma pá para neve ou, mais tarde, com um urinol. O “ready-made” assenta no exercício de retirar os objectos da sua função utilitária corrente e, uma vez assinados e datados, expô-los como obras de arte. Este exercício de selecção, descontextualização e de atribuição de nova função suscitou o questionamento do conceito e do papel da arte, abrindo portas à afirmação de uma nova estética ou mesmo à negação da arte. Para os dadaístas, grupo em que se integra Duchamp, o que determina o valor estético de um objecto é o acto mental.
Desconhecendo se para os arquitectos autores do projecto estes referentes visuais e conceptuais tiveram qualquer papel na construção do seu jardim, parece-nos muito plausível notar a influência retiniana (e lúdica) do trabalho de Joana Vasconcelos, que se funda no valor da descontextualização e na apropriação dos objectos quotidianos, atribuindo-lhes novas funcionalidades, num modo próximo de Duchamp.
[Nas imagens (segundo a ordem de exposição): Aspecto da "árvore" de garrafas de plástico presente no jardim "O homem que plantava jardins", dos arquitectos Ana Rita morais e Paulo Tavares Pereira, 3º Festival Internacional de Jardins (2007), foto de jcml; "Néctar" de Joana Vasconcelos; "O Escorredor" de Marcel Duchamp (1914/1964)]

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