segunda-feira, março 09, 2009

Sobre uma pedra tumular

Na apresentação do livro Figuras Limianas foi projectada a imagem de um túmulo, julgo que no Oriente, onde para além do nome do sepultado surge a menção à sua naturalidade – Ponte de Lima. Não me interessa, neste momento, nomear a figura nem precisar o local do sepulcro. Interessa-me o gesto, a condição.
Deixar-se assim epigrafar é uma forma de revelar a condição de migrante. Como dizia Miguel Torga o emigrante é um contrabandista da linha equatorial da vida. Balançando entre o torrão natal e o torrão adoptado, passa a ser um ser híbrido, recebendo da vida, no dizer do escritor, a marca indelével da permanente inquietação. Tenha ou não regressado à sua terra natal, aquele homem manifestou a divisão entre duas pátrias, dualidade que tanto é um imperativo moral como um estigma de condenação. Essa é a riqueza de uma obra como as Figuras Limianas: dar a conhecer experiências de vida, descobrir o Outro, ainda que no Passado. Nessa pesquisa há um encontro connosco, com a nossa identidade. É óbvio que naquelas páginas não está representado o turbilhão de experiências dos homens desta região. É certo que ao lado destes “factos históricos” é justo colocar, como diz José Mattoso, o “suspiro de amor” ou o “nascimento de uma criança”, desde que não se perca o sentido da globalidade. Mas também se justifica dizer que aquelas figuras não estão ali para serem julgadas – a História não serve para julgar os Homens, mas para enriquecer o nosso interior pela compreensão e conhecimento daquilo que fomos e somos. Devemos, pelo contrário, reconhecer-lhes os limites, as qualidades e os defeitos. Mesmo que nos soe a estranho devemos estar abertos ao que nos diz. Recebemos lições da história quando reconhecemos a alteridade. Isso não quer dizer que devemos ser complacentes com tudo. Não podemos é atribuir aos nossos valores uma objectividade que legitimaria colocarmo-nos num patamar de superioridade. A emissão de juízos morais sobre as figuras do Passado é uma fragilidade. Nem sempre na História encontramos o Humanidade com que sonhamos; nem sempre a nossa abertura ao Outro se revela uma “história de amor”.
Voltando à lápide. Muito mais agarrado ao tempo e ao espaço do que o homem da actualidade, aquele indivíduo procurar diluir as fronteiras numa inscrição. De alguma forma diz-nos que sendo naquela terra, há um outro lugar onde se gostaria de inscrever. O muito próximo não é sinónimo de muito importante. Na verdade, não sei se são mais importantes os arbustos humanos plantados no chão onde nasceram, voltando a usar as palavras de Torga, ou aqueles que vivem a experiência do estilhaço. Não sei qual das duas é mais reveladora de amor à mãe geográfica (outra vez, Torga); sei, pois assim me mostram os homens do passado e os do presente, que é uma situação dolorosa, a de viver dividido entre duas pátrias.
Há um limiano contemporâneo, que na sua escrita deixou transparecer bem a experiência destes homens que partem e regressam (sob as mais diversas formas), Amândio Sousa Dantas: no regresso não regressamos / mudou o tempo e nós mudamos / e não se volta ao que deixamos (…).
[citamos, Miguel Torga - Ensaios e Discursos. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2001, 169-180; Amândio Sousa Dantas - Emigrar na Primavera. Edição de autor, 1991, 46]

sábado, março 07, 2009

[reprodução do artigo publicado no jornal "A Aurora do Lima", de 18.08.1972, assinado por A.[ugusto] C.[astro] S[ousa]]

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